Matéria publicada na edição 07 de novembro de 2008 da Revista MundoLogística:
Aumentando a percepção de valor dos seus produtos junto a seus clientes – Como a logística pode contribuir neste desafio?
Autores: Leandro Callegari Coelho, Neimar Follmann, Carlos Taboada.
A percepção de um mercado cada vez mais exigente é fruto de uma acirrada concorrência. As escolhas dos clientes estão pautadas sobre a necessidade de obter o maior benefício sobre o investimento realizado: obter um produto de qualidade no seu mais amplo significado, por um preço atrativo. A esta relação dá-se o nome de valor. É esta percepção que diferencia fortemente as empresas na atualidade. Num momento em que as tecnologias estão acessíveis à maioria, o marketing possui semelhante poder de persuasão, as equipes de vendas estão muito preparadas, outros componentes são necessários para que a empresa se destaque – e um destes componentes é a logística. Por muito tempo viu-se este setor como um centro de custos, mas, nos últimos anos esta situação foi alterada. É possível, através desta área, ajudar a empresa a entregar maior valor aos clientes. Como fazer e o que deve ser considerado são as respostas que este artigo fornecerá.
A luta acirrada pelos melhores clientes e a tentativa de se relacionar com os melhores fornecedores faz com que áreas antes consideradas periféricas na gestão empresarial passem a ser significativas. Uma dessas áreas é a logística, que deixou de ser responsável apenas por transportar mercadorias (um centro de custos), e passou a ser determinante para o sucesso de muitas organizações, (um centro de lucro) agregando valor aos produtos.
No entanto, a logística como é geralmente conhecida e praticada nas empresas, restrita aos processos de armazenagem, movimentação e transporte, não consegue fazer o que se espera deste setor atualmente – agregar valor ao produto frente às necessidades dos clientes.
Diversos fatores têm contribuído para que a logística assuma um papel de destaque nas empresas, dentre eles a equiparação do poder das empresas em diversas áreas que antes serviam de diferencial e a visualização da possibilidade de se utilizar o fluxo de produtos na cadeia de suprimentos como uma nova estratégia de diferenciação e redução de custos. Aliado a esta condição, atualmente a logística pode interagir com outros setores dentro da empresa e mesmo fora dela com fornecedores e clientes. Por meio de avançadas tecnologias de informação e de uma diferente visão em relação às parcerias, pode-se, por exemplo, desenvolver produtos com fornecedores e clientes, formatados para um transporte mais eficiente, agregando valor final através da logística.
O profissional de logística deve agir para a criação de valor, seja na visão dos clientes, seja na visão daquele que oferece o bem, o que significa que é preciso trabalhar com uma visão de valor para toda a cadeia de suprimentos. A agregação de valor deve beneficiar todos os atores do processo produtivo e de uso do produto.
Valor na visão dos clientes
Qualquer empresa, seja ela do setor de produção de bens ou de oferta de serviços, trabalha para oferecer algo ao mercado; logo, é possível dizer que ela trabalha visando atender às necessidades dos clientes, que lhe trarão o lucro. Os clientes compram mais que produtos: compram benefícios. Isto quer dizer que o cliente busca aquilo que o produto promete.
De forma geral, o sucesso ou fracasso de uma empresa está diretamente vinculado ao nível de valor entregue aos clientes, O valor para o cliente pode ser definido como a relação entre os benefícios percebidos e os custos totais incorridos para a obtenção desse produto/serviço. Ao ter que escolher entre dois produtos semelhantes em preço e qualidade, mas com um deles para ser entregue em 2 dias e outro com entrega no ato, é provável que o cliente escolha aquele que possa ser levado no momento da compra. Isso é uma forma de diferenciar seus produtos dos de seus concorrentes, é um exemplo de benefício maior pelo mesmo custo.
Analisando-se as estratégias das empresas, percebe-se que produtos estão muito parecidos, o marketing tem semelhante poder de atração e, da mesma forma, isto ocorre em diversas áreas das empresas (tecnologias comuns, mão-de-obra com semelhante capacidade, e muitas vezes os mesmos fornecedores, ou pelo menos com parecida condição de atendimento). Porém, há outros fatores que agregam valor ao produto/serviço perante o cliente: um dos mais importantes, no atual ambiente de negócios, é a logística.
Mas, e para o cliente, como a logística pode aumentar o valor percebido? |
O valor da logística é manifestado primeiramente em função do tempo e do lugar. Produtos e serviços não têm valor a menos que estejam à disposição dos clientes quando (tempo) e onde (lugar) eles pretendem consumi-los.
Alguns exemplos práticos que ilustram estes dois conceitos:
O primeiro exemplo é o da Zara, pertencendo ao grupo INDITEX (http://www.inditex.com/es/) uma rede de vestuário com 1.361 lojas, espalhadas em 68 países e com um faturamento anual de € 6,264 bilhões em 2007. Seu sucesso deve-se principalmente à logística, uma vez que o grande diferencial da empresa é que a cada quinze dias suas lojas têm seus produtos totalmente renovados. Do produto pronto até a sua chegada em qualquer uma de suas lojas são necessários somente 2 dias. A grande vantagem neste sistema é que cada vez que um cliente entra na loja ele encontrará produtos diferentes, tornando a compra daquele produto uma necessidade imediata, uma vez que o mesmo poderá não ser mais achado numa próxima passagem pela loja. O que comprova o sucesso logístico da empresa é que seu investimento em marketing é de apenas 0,3% do faturamento. O valor está na renovação das possibilidades de compra, mais de 10 mil produtos por ano, equivalentes a mais de 25 produtos por dia em média. A percepção que o consumidor tem é de exclusividade nos produtos. Além disso diminui muito a necessidade de promoções, que acabam desvalorizando os produtos perante o mercado.
O segundo exemplo é o da Li & Fung (http://www.lifung.com) a maior trading exportadora de Hong Kong, atuando em diversas áreas como, roupas, calçados, acessórios, brinquedos, e tem como clientes as maiores redes de varejo do mundo como a Wal-Mart, por exemplo. Sem possuir uma fábrica, consegue entregar seus produtos num prazo muito menor do que o da concorrência. Através de uma ótima gestão logística a empresa coordena cerca de 10.000 fornecedores em cerca de 40 países, desde fábrica de botões até empresas especializadas em bordados e acabamentos e registrou um faturamento de U$ 8,7 bilhões em 2006 possuindo cerca de 1.000 funcionários (o faturamento por funcionário atingiu espantosos US 8,7 milhões em 2006). O valor que a Li & Fung gera para seus clientes está principalmente relacionado à possibilidade do pedido ser feito apenas 5 semanas antes do prazo dos produtos serem expostos nas lojas contra as 13 semanas exigidas pelos concorrentes. Quanto mais próximo do momento do consumo os pedidos puderem ser feitos, maior a certeza quanto às quantidades, aos modelos, ou seja, mais acuradas serão as previsões de demanda, eliminando muitas das incertezas relacionadas a aceitação da moda pelo público consumidor.
O valor na logística é expresso inicialmente em termos de tempo e lugar, mas ainda por diversidade, apelo ecológico, imagem. Qualquer diferenciação que chame a atenção de seu consumidor, inclusive o preço |
Alguns exemplos do dia-a-dia reforçam determinadas características que agregam – ou depreciam – o valor percebido pelos clientes:
Cena comum em qualquer aeroporto: se o vôo atrasa, os passageiros não poderão chegar ao seu destino (lugar) na hora prevista (tempo). Logo, há um decréscimo do valor percebido – pagar o preço da passagem aérea não se torna tão compensador se o passageiro não tem certeza de que estará no lugar certo e no momento em que deseja.
Outro exemplo, mas com um aspecto positivo: uma pessoa caminha na rua e começa a chover. Logo aparece um vendedor ambulante oferecendo guarda-chuvas. Ele está na hora certa e no local certo, e seguramente se beneficiará disso ao cobrar um preço maior pelos guarda-chuvas – pelo qual o cliente acabará pagando, pois o produto é necessário naquele exato momento e local. E todos saem ganhando: o cliente não se molha, e como consumidor sai satisfeito por ter comprado seu produto onde e quando precisou; o vendedor, no papel de fornecedor dos produtos teve o insight de oferecer os produtos na situação mais adequada, quando o cliente mais os valorizou, e lucrou com isso.
Outros exemplos de como a logística pode ser utilizada como um processo cada vez mais importante de agregação de valor podem ser a indústria de tênis e de produtos fabricados com materiais reciclados.
Ao entrar nas lojas é possível verificar que um mesmo modelo de tênis possui diversas cores. Para que isto seja possível, é necessário que a informação e os processos logísticos estejam alinhados, pois, caso contrário, seria difícil prever quais produtos teriam mais demanda e com isso disponibilizá-los ao mercado. Desta forma, para que seja possível uma empresa possuir uma oferta diversificada, que atenda os diferentes gostos dos consumidores, é preciso que a informação, a armazenagem e o transporte estejam sincronizados. Mas não só isso. É preciso que essa sincronização se estenda desde os fornecedores até o cliente (como será visto adiante), para que seja possível, juntos, reduzir os custos.
Já o caso dos produtos feitos de material reciclado tem muito haver com o estágio que a sociedade atual vive. Cada vez mais tem se dado valor maior aos produtos ecologicamente corretos. Mas, para isso, é fundamental que exista uma estrutura capaz de coletar e transportar estes produtos até a fábrica. Sem contar, que é necessário embalá-los de maneira correta, econômica e que ofereça boas condições de transporte. Assim, além de agir responsavelmente em relação aos recursos naturais é possível atrair a atenção do consumidor.
Valor na visão de quem oferece o produto/serviço
O principal ponto na visão de quem fornece o produto/serviço é o seu lucro, bem como os indicadores que mostram que ele está sendo crescente e sustentável. Para isto, porém, é preciso olhar para dois componentes do mercado: concorrentes e clientes. Os clientes, como visto anteriormente, buscam a melhor relação benefícios x custo, isto é, o maior valor.
Cada cliente, no entanto, possui preferências diferentes, senão todos comprariam da mesma marca e a mesma mercadoria. Há, então, espaço para diversas empresas e estratégias, por existirem variadas medidas de valor na visão dos clientes. O desafio consiste em oferecer um valor maior para o cliente, sem que o custo seja acrescido na mesma proporção: no papel de fornecedor, é preciso colocar-se no lugar do cliente e entender melhor como é possível agregar mais valor ao produto fazendo com que ele o compre. Faz-se necessário alinhar a visão do fornecedor com a do cliente.
Hoje, afirma-se que o consumidor está mais exigente. É provável que esta não seja a análise correta. O consumidor simplesmente compra o que mais lhe recompensa o gasto. É a variedade de ofertas que possibilita ao cliente escolher, criando, assim, uma sensação de cliente exigente. Então, é preciso olhar para o cliente, para encontrar as características que lhe agregam mais valor, e deve-se monitorar a concorrência e perceber o que está sendo oferecido e que é atrativo para o cliente.
Os fornecedores utilizam-se de diferentes técnicas para agregar valor através dos processos logísticos, dentre elas destacam-se a barganha, preservação do meio ambiente e garantia.
A barganha é um caso típico de produtos agrícolas, onde é utilizado o processo de estocagem para possibilitar preços maiores com a venda na entressafra: evitando o excesso de produtos num período, limitando-a a sua necessidade financeira, e quando os volumes oferecidos e colhidos começam a diminuir, utilizam seus estoques para continuar a oferta ao mercado, neste momento geralmente a um preço maior.
A preservação do meio ambiente, além de necessária, é um apelo mercadológico bastante forte. Ao oferecer um sistema de logística reversa, que recolha os produtos do mercado após serem utilizados ou, ao incluir nos produtos materiais reciclados (ou ecologicamente corretos), é possível conquistar a simpatia de um grupo crescente de consumidores.
Para os fornecedores, valor é qualquer característica que aumente o interesse de seus clientes: disponibilidade, apelo ecológico, garantia |
De maneira geral, as empresas (e cadeias de suprimentos) eficientes nestes quesitos apresentam algumas características em comum:
– Racionalizaram o número de fornecedores;
– Promoveram parcerias;
– Envolveram os fornecedores desde o projeto;
– Criaram sistemas de informação gerenciais;
– Melhoraram a gestão estoques;
– Trabalham de modo colaborativo.
Ao racionalizar o número de fornecedores e fidelizar os selecionados é possível melhorar seu relacionamento com eles, tornando-se parceiro, promovendo uma relação ganha-ganha, trabalhando em conjunto nos fluxos de materiais e de informações.
A promoção de parcerias através de programas de desenvolvimento de fornecedores, busca maior competitividade para todos: o crescimento em conjunto traz solidez para a cadeia toda. Exemplos disso podem ser os times de futebol e seus patrocinadores, ou o dueto computador e softwares, cada um se comprometendo com uma parte: um cria a parte física, outro desenvolve a parte virtual específica para a física.
O envolvimento dos fornecedores desde a parte do projeto, e às vezes também dos clientes, garante que os fornecedores saibam o que exatamente será produzido possibilitando assim menos falhas no processo de fornecimento de matérias-primas. E, quanto, ao envolvimento do cliente, passa a ser possível conhecer o que ele realmente deseja receber. Quantidade de produtos numa mesma embalagem, forma da embalagem e o formato do produto podem ser melhor desenvolvidos em conjunto, facilitando disposição nos pontos de venda, alocação nos meios de transporte e melhor adequação ao uso.
Sistemas de informação integrados ajudam no compartilhamento de informações, que contribuem para que se crie a sinergia entre diferentes áreas da organização e com seus elos externos, que eventualmente acabam por melhorar o desempenho do todo. A troca de informações contribui para um melhor entendimento do processo total.
A troca de informações entre as partes favorece um melhor conhecimento do produto em toda a sua cadeia, aumentando as chances do fornecedor oferecer o produto mais adequado às suas necessidades, otimizando a quantidade de material utilizado, mão-de-obra, entre outros. No caso do cliente, aumentam as chances do produto atender às suas expectativas.
Uma melhor gestão dos estoques pode ser tanto o objetivo como a conseqüência das atividades acima citadas. A necessidade de gerenciar melhor os materiais leva ao encontro de melhor qualidade na informação, ao mesmo tempo em que esta proporciona maior controle e, com isto, menor desperdício. O resultado mais importante é a possibilidade de dividir responsabilidades sobre um estoque centralizado, que seja administrado entre as partes, diminuindo os custos.
No modelo colaborativo, comprometimento é a palavra chave. É preciso que todos os participantes do processo saibam quais os objetivos a serem perseguidos e estejam envolvidos com os mesmos. Assim, terão objetivos comuns, divisão de riscos, de custos e de oportunidades nos lucros.
Considerações Finais
Levando em consideração toda a evolução vista no comércio dos últimos séculos, chega-se num momento onde a logística deixa de ser um centro de custos e passa fazer parte do escopo estratégico da maioria das empresas. Considerações sobre a importância da disponibilidade de um produto mostram o quanto é importante planejar para que ele chegue ao cliente num preço acessível.
Entretanto, não será o preço o componente definitivo para o fechamento de um negócio, mas sim a percepção de valor que o cliente tem em relação ao produto/serviço oferecido. Para agregar valor, fazer com que o cliente perceba o quanto é bom um negócio e comprar o produto para satisfazer um desejo ou uma necessidade, é preciso mais que possuir uma bela embalagem ou uma grande promoção: é preciso ter produtos disponíveis, ter condições de cumprir os prazos de entrega, é fazer entregas para longas distâncias e manter os produtos intactos.
Muito esforço é feito para atrair um cliente para a loja, fazê-lo escolher um produto e decidir comprá-lo. Qual não é a decepção deste cliente quando percebe que receberá sua compra no dia 26 de dezembro, por exemplo, sendo o produto um presente de Natal? Em casos como esse, o cliente deseja mais do que boa aparência ou funcionalidade, como já descrito anteriormente.
Além de olhar para fora da empresa, para aquilo que os consumidores desejam, uma melhor gestão da cadeia de suprimentos deve contribuir efetivamente para agregar valor |
Entre indústrias, quantas horas são perdidas na linha de produção pela falha de uma transportadora, pela falta de comunicação entre expedição e recebimento da outra empresa? Estes desperdícios, que depreciam o valor de um produto, são muitas vezes mais caros do que o preço adicional necessário para ter como parceiro um fornecedor confiável.
É função do profissional de logística identificar estas deficiências ao longo do processo e encontrar soluções que melhorem cada caso; ele deve estar atento para considerar as necessidades de todos os envolvidos: entregar um melhor produto ao cliente, buscando fornecedores que tenham consciência da necessidade de trabalhar em conjunto, objetivando maximizar os lucros.
Referências
http://www.inditex.com
http://www.zara.com
CHRISTOPHER, M., Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. Thomson. 2007
NOVAES. A.G. Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. Estratégia, Operação e Avaliação. Rio de Janeiro. Elsevier. 2ª Edição. 2004.
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Uma resposta em “A Logística e o Valor Percebido – como melhorar esta relação”
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