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Ferrovias pra quê?

O Brasil depende muito do transporte rodoviário para movimentar suas cargas: um transporte caro, poluidor e perigoso. Os números são divergentes entre estudiosos, mas muitos apontam para uma dependência na casa dos 70%, enquanto outros defendem que seja em torno de 60%. Vários países se empenham para diminuir, cada vez mais, o percentual de dependência rodoviária em suas matrizes logísticas. Os Estados Unidos e a Austrália, por exemplo, mantêm esse percentual abaixo de 30%, enquanto a China não passa de 10%. Eles entenderam de forma bem simples que custo alto não combina com competitividade.

ferroviasMuitos historiadores explicam que a história do Brasil não contribuiu para o desenvolvimento de uma logística eficiente e bem estruturada, pois as práticas de monocultura não tinham como fomentar regiões maiores ao ponto de impactar sobre todo o país. No entanto, trazendo o Brasil para os dias de hoje, teríamos que pensar em algo bem diferente para que daqui a algum tempo não estejamos lamentando e ouvindo tentativas semelhantes para justificar o porquê de não ter feito. Essa coisa de ferrovias mal planejadas, insuficientes, bitolas diferentes, trilhos ligando nada à coisa nenhuma e de exclusividade para minérios e grãos, tem que ficar no passado! Há tempos deixamos oportunidades para trás para nos agarrar em vícios difíceis de serem abandonados e parece que estamos fazendo tudo novamente deixando um setor inteiro ao deus-dará.

Sofremos com inúmeros conflitos regionais que tinham a luta armada como principal meio para firmar o caminho da sociedade brasileira, fora as que envolveram outros países, os impactos de guerras mundiais e o domínio militar no país. Sabemos muito bem que isso tirou o foco do desenvolvimento porque muitas de nossas revoluções foram contra nós mesmos. Ao final destas, faltava aquela inciativa de união e investir no país para recuperar o tempo perdido.

Na verdade, quando nos referimos à infraestrutura ferroviária, observamos lacunas enormes nos períodos em que se tentava implantar algo mais significativo. Em muitos períodos a falta de sinergia era notória: parecia que cada um queria construir do seu jeito sua própria ferrovia. Era uma malha de retalhos e isso atrasou muito o setor e seus efeitos permanecem como um entrave bastante significativo.

A 5ª edição da pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada em 2015, mostra que estamos bem distantes de uma mudança necessária em nossa matriz de transportes, embora após 1996, com o início das concessões, o setor ferroviário tenha registrado crescimento de quase 30% do volume de cargas transportadas entre 2006 e 2014. Porém, houve também um aumento das invasões nos perímetros da malha ferroviária que fazem com que a velocidade caia para até 5 km/h em algumas áreas, gerando aumento de custo e ineficiência.

A malha ferroviária brasileira para o transporte de cargas mede 29,7 mil km e possui 279 cruzamentos com rodovias considerados críticos que também diminuem a eficiência através da insegurança. Comparando com os Estados Unidos que possuem extensão territorial semelhante à nossa, são 240 mil km de ferrovias e, para cada mil km2 de extensão territorial, eles têm 32 km de ferrovias, a Índia tem 23 km, a China 20,5 km, a Argentina 13,5 km enquanto o Brasil possui apenas 3,6 km, menos até que o Chile com 9,8 km e México com 7,9 km.

A pesquisa também aponta que seria necessário investir R$ 281 bilhões em 213 obras e construir 72 terminais de cargas para termos um modal que atendesse aos propósitos do país. Contudo, no ritmo atual, seriam necessários 54 anos para realizar esse plano, pois o governo investe em média, apenas R$ 1,4 bilhão por ano perdendo 1/3 do orçamento liberado por falhas no planejamento. A situação só não está pior porque o setor privado, de 2006 até 2014, investiu R$ 33,5 bilhões – quase o triplo do que o setor público investiu.

O extrativismo aumentou nos últimos anos, a agricultura bate recordes de produção, o custo por tonelada transportada em ferrovias é três vezes e meia mais barato do que pelo modal rodoviário e ainda ecoa a pergunta no Brasil: ferrovias pra quê? Talvez seja devido às facilidades que a corrupção encontra na rede rodoviária, não que na ferroviária não exista, mas os canais rodoviários proporcionam uma diversidade de possibilidades: serviços inexistentes ou mal executados, materiais de terceira, pouca durabilidade, uso da máquina pública, desvios de verbas e a magnífica indústria da multa, além da acomodação e aceitação de seus entraves. Se a História explicou os porquês da inconsistência de nossas ferrovias, talvez hoje possamos explicar sua insuficiência olhando para nossas rodovias… De fato, ferrovias pra quê?

Por Marcos Aurélio da Costa

Foi Coordenador de Logística na Têxtil COTECE S.A.; Responsável pela Distribuição Logística Norte/Nordeste da Ipiranga Asfaltos; hoje é Consultor na CAP Logística em Asfaltos e Pavimentos (em SP) que, dentre outras atividades, faz pesquisa mercadológica e mapeamento de demanda no Nordeste para grande empresa do ramo; ministra palestras sobre Logística e Mercado de Trabalho.

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