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O discreto lobisomem – 30 de junho é dia do caminhoneiro

A Logística é dotada de uma união paradoxal entre a glória e a precariedade, entre o brinde e a “pancada”, entre o homem e o Lobisomem… Lobisomem [?!…]

Em meus artigos venho chamando atenção aos pontos críticos do nosso mercado, às soluções que despontam e apontam para o nosso sucesso com o crescimento reconhecido por todos que fazem, buscam e precisam da Logística para suas atividades diárias. É comum que, às vezes, seja necessária certa dureza nas palavras, mas não é meu intento mostrar a seriedade do mercado traduzida num franzir de testa. O bom humor é fundamental em qualquer profissão. Sem banalizar o problema, é claro.

fila de caminhões

Esse sucesso da Logística não seria possível sem a importante participação dos nossos irmãos caminhoneiros. Eu poderia citar mil fatos que, muitos deles, passaram despercebidos no contexto do sucesso em cada entrega, cada dia. Mas, sabendo dos sacrifícios inerentes a essa profissão, proponho seguirmos uma linha diferente. Eu os convido a resgatar algumas lembranças de fatos que lhes proporcionaram essa experiência de aflição e alívio traduzido por um sorriso mostrando que a Logística, em especial o setor operacional, é capaz de nos levar aos dois extremos nos mostrando o momento certo para tudo. A Logística não nos arranca só os cabelos, também nos arranca risos. Tardios, às vezes, pois no momento, o fato exige solução.

Ninguém me proporcionou esse aprendizado da mistura do choro e do riso como o Lobisomem: Um caminhoneiro com seus 65 anos, prestativo e detentor de um jeito simples e direto de cativar pela boa intenção e de amedrontar com sua barba estilo terrorista, suas sobrancelhas de taturanas e suas orelhas peludas que lhe renderam esse apelido, o qual ele faz questão de usar. O conheci no mercado do asfalto, repleto de precariedades. Logo soube de outro apelido que, desse ele não gostava: Ruim-de-ré. E de sua indignação com alguns Postos de Fiscalização. Era multado e até retido por não se submeter aos apelos da “cervejinha”. Tudo era feito com tanta naturalidade que, por várias vezes, era liberado em meio a risos como no dia em que lhe foi pedido um “cafezinho” para ajudar no dia difícil e ele, com naturalidade, pegou sua garrafa térmica, colocou café num copo e ainda perguntou se estava servido de uma bolachinha. Diferente do dia em que voltava com a placa do caminhão enlameada e, para não ser multado, perguntou se um cafezinho resolveria. Ao ouvir o “sim, pode ser”, desceu do caminhão com sua velha garrafa térmica e começou a limpeza da placa… O resultado foi muita dor de cabeça para a transportadora.

Experimentou também, o reconhecimento do Prefeito de uma pequena cidade que montou palanque para inaugurar o início das obras com asfalto sem o asfalto, pois a aprovação do crédito da Empreiteira havia demorado. Quem chega como herói em meio ao constrangimento do Prefeito e partidários? O Lobisomem! Até aí, nada de extraordinário. Até que o Prefeito em meio ao seu alívio e gratidão, o convida a subir no palanque para lhe prestar uma homenagem […]. Teria corrido tudo bem se ele não tivesse pedido o microfone para falar “umas poucas palavras”. Teria sido evitado se o Prefeito, ainda anestesiado pelo alívio, não lhe tivesse atendido: “Obrigado pelas palmas!” – Disse ele, e foi logo emendando as palavras: “Meu povo dessa pequena cidade! Vocês não tinham asfalto e agora vão ter! O Prefeito do ano passado só roubava e não dava nada a ninguém. Com esse aqui o buraco é mais embaixo! Aliás, vai tapar tudo o que é buraco! Sua filha deve ter orgulho do pai […] que não se mete com empresário, ‘tudo ladrão’ daqui que só quer o dinheiro de vocês! Ele vai fazer escola, colégio, estrada e botar tudo no prumo!”

Depois de arrancarem o microfone das mãos dele, não foi só convidado a descer do palanque como a deixar a cidade sob escolta para nunca mais voltar. Acho que não apanhou porque falou algumas verdades. Mas se soubesse que era o segundo mandato do Prefeito, que a jovem que o abraçava era sua atual esposa, e não filha, e que o maior empresário da cidade era o próprio Prefeito, talvez tivesse ficado para o jantar.

Dirigir. Era só o que deveria ter feito. O mesmo que lhe pedi quando, por falta de opção, devido às exigências de uma prefeitura que envolvia uma série de fatores, tive que enviá-lo. Era o único disponível. Carga urgente devido problemas com o cliente. Expliquei três vezes: “Chegar discretamente, descarregar e voltar”. Reforcei. Ele repetiu: “Discreto e rápido. ‘Pó’ deixar!” Imagine, diante de tudo, se o Lobisomem sabia o que era ser discreto… Ao chegar, manobrando o caminhão, derrubou parte do muro da Usina da prefeitura, discutiu com o engenheiro, deu um banho de emulsão asfáltica no operador e foi preso. 700 quilômetros para eu ir treinando a minha persuasão para contornar tudo. Só não pude contornar sua demissão. Seria injusto com a empresa mantê-lo. Embora justificasse, furioso, alegando que teriam lhe chamado de Ruim-de-ré…

Hoje, o “figura” quer ser político e está aposentado. E o mercado viveu feliz para sempre.

Acredito que podemos aprender com tudo. Até com isso. Até com o Lobisomem. Não colocar nossos projetos em risco é nossa única preocupação. E, às vezes, esquecemos que somos mais fortes que isso, responsavelmente. Vamos perdendo nossa capacidade de compreender que para viver também é necessário conviver. A reciprocidade no bom trato é vital. Não se pode abandonar a escolha de extrair lições. Se quero outro Lobisomem na minha operação? NÃO. Mas devo saber lidar com os “Xuxas”, “Bodes-cheirosos”, “Patos-roucos”, “Andrés”, “Fernandos”… Lidar com seres humanos. Não lembramos muito disso quando a carga é urgente.

Minha homenagem a todos os caminhoneiros que, graças a Deus, parecem e não se parecem como o Lobisomem. Carregam consigo suas histórias, suas dificuldades, seus sucessos… Mas, acima de tudo, existem! Alguns que não se dignificam e a maioria que dignifica sua missão, como em outras profissões. Mas, nessa está o tempero do sacrifício ao levar um país sobre rodas e, mesmo assim, seus direitos são desrespeitados com a falta de qualidade das rodovias, com a jornada de trabalho e, muitas vezes, são desrespeitados como seres humanos. Nosso reconhecimento e nosso muito obrigado.

Por Marcos Aurélio da Costa

Foi Coordenador de Logística na Têxtil COTECE S.A.; Responsável pela Distribuição Logística Norte/Nordeste da Ipiranga Asfaltos; hoje é Consultor na CAP Logística em Asfaltos e Pavimentos (em SP) que, dentre outras atividades, faz pesquisa mercadológica e mapeamento de demanda no Nordeste para grande empresa do ramo; ministra palestras sobre Logística e Mercado de Trabalho.

9 respostas em “O discreto lobisomem – 30 de junho é dia do caminhoneiro”

Parabéns. CAMINHONEIROS, minha família. Avô, pai, tios.
Parabéns a vocês. Guerreiros, conquistadores, desbravadores. O Brasil está sempre em suas mãos.

Parabéns Marco Auréilo pela homenagem.
Mônica Luisa Teixeria SAntos

Adorei, parabéns pelo texto… Tenho muita dificuldade para lidar com as pessoas, é dificil parar para respirar em situações agitadas, mas espero aprender com o tempo.

Parabéns a todos os caminhoneiros e muito obrigado também. O operacional nos fornece mesmo muitas histórias. Valeu Marcos por essa. Muito boa.

Também gostei da homenagem,merecida,mas temos que ter esperança de um dia ver a estrada digna desses homens que passam dias fora de casa, sofre na estrada,para fazer chegar até nos nossas encomendas.Parabéns!!!

Eu não queria um Lobisomem desses também não… Eu já tenho os meus figuras. Agradeço também por todos esses caras que sem eles, a coisa não anda. Muito legal a história e a homenagem.

Muito bom! Édigno,estes homens receberem tal homenagem,pois estes homens carregam realmente o país sobre rodas,"nas costas",devido a falta de condições adequadas para trabalharem.Parabéns!

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