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O mercado automotivo brasileiro precisa ser protegido?

A notícia que mais frequentou o noticiário brasileiro nas últimas semanas, repercutindo inclusive no exterior, foi a medida de inequívoco protecionismo brasileiro aos carros importados.

De forma autoritária, o governo aumentou em 30 pontos percentuais a alíquota do Imposto sobre Produto Industrializado para os automóveis que não representem no seu custo, pelo menos de 65% em peças nacionais ou produzidas no Mercosul.

proteção mercado carrosA medida atingiu os carros estrangeiros, principalmente os sul-coreanos e chineses, que possuem entre 2% e 3% do mercado de veículos no Brasil, mantendo em condição mais benéfica  o mercado nacional e os comprados da Argentina e México.

As novas alíquotas variam de 37% (carros até 1.000 cilindradas) até 55% (para carros acima de 2.000 cilindradas) e atingem também segmentos importantes, que até então era isentos, como dos caminhões, que tiveram suas alíquotas fixadas em 30%.

Como resultado, as novas medidas obrigarão os empresários a reestruturarem seus processos produtivos de forma a atingir 65% de seu preço com componentes de origem nacional ou regional (Mercosul), além de investir em pesquisas e desenvolvimento, e cumprir pelo menos 6 dos 11 requisitos estabelecidos pelo governo (como montagem e estampagem no Brasil).

Em tempos de economia dita aquecida, fica a pergunta: Será que as montadoras instaladas no Brasil precisam dessa proteção?

Segundos fontes do governo, a produção nacional de veículos saltou de 278 mil em setembro 2010 para 325 mil em agosto 2011. Já venda de automóveis importados teve um acréscimo  de 55 mil para 73 mil veículos. Apesar do crescimento expressivo em números absolutos, essas importações representam apenas 18 mil veículos por mês/média,  6% do mercado nacional.

E mesmo com uma participação pouco expressiva no mercado doméstico, os veículos importados foram o alvo da medida governamental, sob o pretexto de proteger a indústria nacional como forma enfrentar a crise e proteger as montadoras já instaladas no país.

Mas para Abeiva (Associação das Empresas Importadoras de Veículos), as montadoras com fábricas no Brasil importam três vezes mais que aquelas que as importadoras independentes sem fábrica instalada no país.

E como um dos objetivos da medida era garantir os empregos no Brasil, é difícil entender os motivos da proteção para empresas que compram 3/4 de todos os carros importados no Brasil de países como Argentina e México, que oferecem vantagens tributárias expressivas.

Igualmente, a ideia divulgada pelo governo de proteger a indústria nacional do mercado de importados, não se sustenta e também pode ser um tiro pela culatra.

Para a associação que representa as empresas importadoras, esse retrocesso pode gerar consequências desastrosas, como o cancelamento dos investimentos previstos pelas montadoras chinesas, e levar o Brasil de volta a época em que a falta de concorrência resultava em veículos de baixa qualidade e pouca tecnologia.

Juridicamente, o aumento arbitrário e não previsto das alíquotas de IPI, além de ter sua constitucionalidade questionável, afeta tamém a imagem do Brasil junto a OMC.

Por outro lado, para a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) a medida vai fortalecer a indústria nacional, inclusive a indústria de autopeças, trazendo mais competitividade e emprego.  Será?

Segundo presidente do Sindipeças, a conta feita pelo governo quando definiu em 65% de conteúdo nacional, em 80% dos veículos produzidos no Brasil, resulta em um índice de nacionalização de apenas 20%. Isso porque o cálculo dos técnicos do governo será em cima do preço final do carro, não no número de peças ou dos custos.

Agora, se a medida não vai beneficiar o setor de autopeças, se coloca em risco os investimentos estrangeiros e o mercado de importados, que sempre foi demonizado pelo governo, representa apenas 6% do volume comercializado no país, por que aumentar o IPI em trinta pontos percentuais?

O salto nas vendas recentes dos importados e o lobby das quatro maiores montadoras do país parece ser a explicação. No acumulado de janeiro a agosto de 2011, as empresas que não possuem fábrica no Brasil aumentaram as suas importações em 112,4%.

Mas como o maior volume das importações de automóveis, cerca de 75%, são feitos pelas próprias montadoras instaladas no país, e portanto estão fora desse aumento, não resta dúvida que essa conta será paga pelo consumidor.

A medida de proteção não considerou o interesse dos brasileiros, que são os maiores beneficiados com a concorrência no mercado, principalmente após a entrada das marcas asiáticas que trouxeram veículos com melhores tecnologias, acabamento de qualidade e preços competitivos.

E sob o risco de voltarmos as “carroças”, fechamos as portas para a livre concorrência, e conseguimos garantir maiores lucros para as ‘nossas’ empresas e aumentar os tributos do governo.

Aos consumidores resta assistir a indústria nacional se beneficiar da proteção, aumentando seus preços e disponibilizando no mercado produtos de baixa qualidade e tecnologia defasada, afinal mercado sem livre concorrência serve para aumentar a rentabilidade dos protegidos.

Felizes os que viveram os bons e poucos anos de liberdade de escolha.

 

Por Carlos Araújo

Despachante Aduaneiro, formado em gestão Financeira e Pós-Graduado em logística e Comércio Internacional. Presta consultoria para empresas de comércio exterior em logística aduaneira e procedimentos alfandegários de alimentos, bebidas e veículos. É autor e editor de conteúdo do ComexBlog.

16 respostas em “O mercado automotivo brasileiro precisa ser protegido?”

Carlos, parabéns pelo texto. Muito rico em informações e propício às reflexões. Realmente, durante anos amargamos o ônus de uma economia desfavorável ao nosso crescimento, agora que começaríamos colher os "bons frutos", a economia se protege… contra nós.

Esse governo só pensa em arrecadar e mais nada, comprei um carro novo recente e e mal acabado, não tão nem ai para reclamações e qualquer acessorio é o olho da cara, sem contar que só pensam em despejar carros nas ruas e o meio ambient e o resto que se dane…

Com a "proteção" do mercado nacional as montadoras instaladas aqui podem continuar a oferecer seus carros desatualizados e sem tecnologias, especialmente de segurança, a preços estratosféricos. A importação permitiu, por algum tempo, termos acesso a automóveis modernos, bem equipados e com preço justo (especialmente coreanos). Era bom demais para ser verdade em um país como o Brasil.

Douglas, de que adianta termos carros de tecnologia avançada se nossa malha rodoviária não comporta tantos veículos e está totalmente deficitária, cheia de buracos que somente os carros brasileiros suportam?

Outra coisa, Douglas! Lembro que em SP já estamos fazendo rodízios de carros devido aos gigantescos engarrafamentos que engessam a cidade. O RJ também já caminha para o mesmo destino.
Lembro, ainda, que grande porcentagem do custo final dos veículos ao consumidor se deve aos impostos em suas diversas etapas de produção: desde a compra dos insumos pelas fábricas e todos os intermediários até sua chegada às agências de automóveis (suprimentos, produção, armazenamento e distribuição).

Bom, todos tem a sua razão em seus pontos de vista, somente teríamos que chegar a um denominador comum, pois a concorrencia é útil mas não pode chegar ao ponto de ser desleal, e precisamos atrair investimentos destas grandes montadoras para nosso Brasil. Lembrando que as nossas montadoras são multinacionais e não são tão frágeis quanto a concorrência, mas medidas mais justas para ambos os lados poderíam ser tomadas.

Mais uma medida só para Inglês ver, porque não reduzir o IPI dos veículos nacionais?

Com isso teríamos uma folga para investimentos e tecnologia e poderíamos aumentar as vendas.

Concordo contigo, Pacheco! Essa inclusive esse tema fez parte da minha sugestão ao debates@uol.com enviado com cópia para o CNI. Perfeita sua linha de raciocínio! Uma vez que a informalidade caiu tanto e a arrecadação chegou a patamares nunca vistos, creio que essa recusa de receita já esteja perfeitamente justificada e reposta. Sem falar no crescimento sócio-econômico que isso geraria, retornando a arrecadação aos patamares atuais mesmo com todas as reduções nas taxações.
Só penso que, olhando pelo lado da Economia, podemos recair no problema do excesso de oferta, o que nos obrigaria a recorrer à demanda externa. Por isso, recomendaria um passo de cada vez e, ao se dar a redução às indústrias nacionais, que seja num percentual pequeno, a princípio, mas crescente à medida que o mercado consumidor interno for se equilibrando com a oferta propiciada pelo consequente crescimento da indústria automobilística nacional.

ERRATA: onde se lê "exportarem", leia-se exportar e, onde se lê "pasageiros", leia-se "passageiros". Peço desculpas, mas escrevi direto e sem fazer a devida correção de redação. Caso veiculados meus comentários, peço que já sejam consideradas essas erratas.

Complementando: que não seja esquecido também que nossos produtos sofrem rigorosas fiscalizações quanto à qualidade e severas imposições são impostas nestes mesmos países, obrigando as indústrias e produtores brasileiros a investirem alto para poderem exportarem a preços não tão recompensantes.
O que falta ao brasileiro é menos idolatria pelo produto importado, que traz status, e mais patriotismo, visão das consequências dos nossos atos consumistas indiscriminados.
Nosso maior BRANDING tem que ser a frase: made in Brazil. Uma frase dita por todos com garra e orgulho de quem nasceu nessa terra tão abençoada, mas onde muitos ainda sofrem com a falta de visão dos individualistas.
Sem falar na infraestrutura logística deficitária para uma demanda do modal rodoviário tão crescente. Faltam rodovias ligando a costa ao interior do país, aumentando a capilaridade, facilitando e barateando a exportação dos nossos produtos, uma vez que, diferente dos países mais desenvolvidos, nosso principal modal de transportes de carga e de pasageiros é o rodoviário. Falta-nos ferrovias, hidrovias, trabalhar mais a cabotagem… tudo isso tem que ser desenvolvido antes que abramos nossos portos sem critérios rigorosos que protejam a indústria nacional da concorrência desleal.

Agradeço pela veiculação do meu comentário, mas não dispenso seu retorno a respeito com as devidas ponderações e correções onde minha visão estiver equivocada, pois sou apenas uma futura profissional em Logística e o nobre autor, certamente já um profissional renomado.

Não desconsiderando esse ponto de vista, coloco uma outra questão que não foi levada em consideração na constituiçãodo texto acima: o que deve ser priorizado para o futuro da economia nacional? Os interesses do consumismo ou dar um fôlego para que as indústrias brasileiras se aprimorem tecnologicamente até que possam dividir o território nacional com o mercado concorrente internacional. Lembremos que a concorrência desleal dentro de casa pode vir a significar a falência da economia nacional!
Falha nossa ou não, é realidade que muitos desses investidores atuam quase como predadores de mercados em desenvolvimento, que demoraram a investir em P&D (tecnologia). Entram como cordeiros e saem no auge, como lobos. Haja visto o exemplo de estados no nordeste (RN) que sofreram grandes investimentos estrangeiros e, na crise do euro, ficaram com uma grande infraestrutura sem condições de sustentá-la, por que os investidores retiraram todo o capital de volta rapidamente, gerando desempregos e desvalorização imobiliária. Fica ao cargo do estado recuperar a economia desses estados sugados pela expeculação financeira.
Por outro lado, não podemos também esquecer que o mundo está dividido em blocos econômicos e, que nesse contexto, lideramos o bloco do Mercosul e fazemos parte do bloco da ALCA. Assim sendo, até por uma questão de ética, é perfeitamente compreensível que a Argentina e o México tenham sido protegidos nesse aumento do IPI.

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