Categorias
Logística Transportes

O progresso ainda anda sobre rodas

Durante minhas pesquisas e mapeamentos de demanda de produtos asfálticos, realizadas na maioria dos municípios de oito estados, vivi experiências inimagináveis pela maioria dos brasileiros. Foram três anos num carro percorrendo rodovias num trabalho exaustivo, perigoso e, ao mesmo tempo, fantástico!

Dia_do_caminhoneiroNa imensidão dessas rodovias, muitas belezas contrastavam com a precariedade da nossa logística, percebida nas dificuldades dos trechos, e com as faces de brasileiros esquecidos pelos poderes públicos. Misturavam-se a esses, os que carregam o progresso pelas estradas e o leva àqueles que ainda não o conhecem. Essas rodovias revelaram heróis do cotidiano – os conhecemos por “motoristas de caminhão” – que conduzem as mudanças estrada afora numa “batalha” imperceptível e, muitas vezes, desumana.

Baseado nessas experiências, expressei minha indignação quanto à Lei 12.619, a Lei do Descanso, não por sua parte legítima na redução da jornada, mas por sua hipocrisia em buscar proporcionar descanso a esses profissionais sem o mínimo de infraestrutura e apoio legal. Tudo acabou num “faz de conta bilateral”: o motorista fingindo cumprir a Lei e o governo fingindo oferecer pontos de apoio e toda a estrutura e fiscalização necessárias. Infelizmente, eu sabia que uma lei dessas não vingaria devido às condições apresentadas por nossas estradas.

A única mudança que percebemos com a Lei 12.619 foi a aceleração da modernização da frota com os incentivos que o governo ofereceu às montadoras e, consequentemente, essa modernização encontrou muitos profissionais desqualificados elevando o déficit de vagas no país que hoje ultrapassa as cem mil.

Claro que a atual situação não tem uma única causa. São muitas. Entres essas, destaco mais uma vez as condições desumanas que fazem com que os caminhoneiros, que tanto repassavam essas labutas de pai para filho, agora escolham um futuro diferente para estes, que vêem de longe e sem entusiasmo, aquele desejo de dar continuidade à profissão. Ironicamente, o mercado que gostaria de uma melhor educação nessa área abre os olhos daqueles que a buscam afastando-os desse destino. A saída seria dificultar o acesso à educação como muitos fazem? Não. Aumentar o respeito e ofertar infraestrutura para melhorar as condições de trabalho.

Não vou vender só a boa imagem dos caminhoneiros. Em muitos percebemos que suas conduções e suas condutas não condizem com a nobreza da profissão. Com a expansão das drogas e das necessidades de distribuição, hoje percebemos que três entre dez caminhoneiros são usados para o transporte ou fazem uso desses produtos. E não estou falando do conhecido “rebite”, pois isso elevaria o percentual dos usuários, falo de cocaína e derivados que contribuem negativamente com a classe e com o constante aumento do número de acidentes nas estradas.

Temos ainda 70% de movimentação logística por rodovias e nada, ou quase nada, é feito para dar condições seguras aos profissionais ou àqueles que cruzam com estes pelas rodovias. O resultado não podia ser diferente: o Brasil registra por ano quase 50 mil mortes no trânsito. Porém, essas estatísticas não são bem feitas, pois as vítimas graves, muitas vezes, não são consideradas diante do posterior óbito. Acidentes graves saltaram de 150 mil em 2010 para 450 mil em 2013 que, também não refletem a realidade já que esses números só são considerados quando há a indenização por parte do seguro DPVAT. É certo que a procura por esse seguro aumentou – e as fraudes também – mas, os que não o buscam ou a demora nos processos escondem uma realidade assustadora.

É nesse ambiente de perigo, de encantos e desencantos, que encontramos profissionais que honram o lema da nossa Bandeira. Embora o positivista francês Augusto Comte, autor da frase, a tenha definido como “o Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”, eu definiria, nesse caso, como “o Amor necessário e a Ordem que lhes é negada; o Progresso anda sobre rodas”.

Dia 30 de junho, dia do caminhoneiro, meu respeito aos profissionais que honram a tarefa árdua de levar o progresso por esse país construído por eles.

Categorias
Logística Transportes

O discreto lobisomem – 30 de junho é dia do caminhoneiro

A Logística é dotada de uma união paradoxal entre a glória e a precariedade, entre o brinde e a “pancada”, entre o homem e o Lobisomem… Lobisomem [?!…]

Em meus artigos venho chamando atenção aos pontos críticos do nosso mercado, às soluções que despontam e apontam para o nosso sucesso com o crescimento reconhecido por todos que fazem, buscam e precisam da Logística para suas atividades diárias. É comum que, às vezes, seja necessária certa dureza nas palavras, mas não é meu intento mostrar a seriedade do mercado traduzida num franzir de testa. O bom humor é fundamental em qualquer profissão. Sem banalizar o problema, é claro.

fila de caminhões

Esse sucesso da Logística não seria possível sem a importante participação dos nossos irmãos caminhoneiros. Eu poderia citar mil fatos que, muitos deles, passaram despercebidos no contexto do sucesso em cada entrega, cada dia. Mas, sabendo dos sacrifícios inerentes a essa profissão, proponho seguirmos uma linha diferente. Eu os convido a resgatar algumas lembranças de fatos que lhes proporcionaram essa experiência de aflição e alívio traduzido por um sorriso mostrando que a Logística, em especial o setor operacional, é capaz de nos levar aos dois extremos nos mostrando o momento certo para tudo. A Logística não nos arranca só os cabelos, também nos arranca risos. Tardios, às vezes, pois no momento, o fato exige solução.

Ninguém me proporcionou esse aprendizado da mistura do choro e do riso como o Lobisomem: Um caminhoneiro com seus 65 anos, prestativo e detentor de um jeito simples e direto de cativar pela boa intenção e de amedrontar com sua barba estilo terrorista, suas sobrancelhas de taturanas e suas orelhas peludas que lhe renderam esse apelido, o qual ele faz questão de usar. O conheci no mercado do asfalto, repleto de precariedades. Logo soube de outro apelido que, desse ele não gostava: Ruim-de-ré. E de sua indignação com alguns Postos de Fiscalização. Era multado e até retido por não se submeter aos apelos da “cervejinha”. Tudo era feito com tanta naturalidade que, por várias vezes, era liberado em meio a risos como no dia em que lhe foi pedido um “cafezinho” para ajudar no dia difícil e ele, com naturalidade, pegou sua garrafa térmica, colocou café num copo e ainda perguntou se estava servido de uma bolachinha. Diferente do dia em que voltava com a placa do caminhão enlameada e, para não ser multado, perguntou se um cafezinho resolveria. Ao ouvir o “sim, pode ser”, desceu do caminhão com sua velha garrafa térmica e começou a limpeza da placa… O resultado foi muita dor de cabeça para a transportadora.

Experimentou também, o reconhecimento do Prefeito de uma pequena cidade que montou palanque para inaugurar o início das obras com asfalto sem o asfalto, pois a aprovação do crédito da Empreiteira havia demorado. Quem chega como herói em meio ao constrangimento do Prefeito e partidários? O Lobisomem! Até aí, nada de extraordinário. Até que o Prefeito em meio ao seu alívio e gratidão, o convida a subir no palanque para lhe prestar uma homenagem […]. Teria corrido tudo bem se ele não tivesse pedido o microfone para falar “umas poucas palavras”. Teria sido evitado se o Prefeito, ainda anestesiado pelo alívio, não lhe tivesse atendido: “Obrigado pelas palmas!” – Disse ele, e foi logo emendando as palavras: “Meu povo dessa pequena cidade! Vocês não tinham asfalto e agora vão ter! O Prefeito do ano passado só roubava e não dava nada a ninguém. Com esse aqui o buraco é mais embaixo! Aliás, vai tapar tudo o que é buraco! Sua filha deve ter orgulho do pai […] que não se mete com empresário, ‘tudo ladrão’ daqui que só quer o dinheiro de vocês! Ele vai fazer escola, colégio, estrada e botar tudo no prumo!”

Depois de arrancarem o microfone das mãos dele, não foi só convidado a descer do palanque como a deixar a cidade sob escolta para nunca mais voltar. Acho que não apanhou porque falou algumas verdades. Mas se soubesse que era o segundo mandato do Prefeito, que a jovem que o abraçava era sua atual esposa, e não filha, e que o maior empresário da cidade era o próprio Prefeito, talvez tivesse ficado para o jantar.

Dirigir. Era só o que deveria ter feito. O mesmo que lhe pedi quando, por falta de opção, devido às exigências de uma prefeitura que envolvia uma série de fatores, tive que enviá-lo. Era o único disponível. Carga urgente devido problemas com o cliente. Expliquei três vezes: “Chegar discretamente, descarregar e voltar”. Reforcei. Ele repetiu: “Discreto e rápido. ‘Pó’ deixar!” Imagine, diante de tudo, se o Lobisomem sabia o que era ser discreto… Ao chegar, manobrando o caminhão, derrubou parte do muro da Usina da prefeitura, discutiu com o engenheiro, deu um banho de emulsão asfáltica no operador e foi preso. 700 quilômetros para eu ir treinando a minha persuasão para contornar tudo. Só não pude contornar sua demissão. Seria injusto com a empresa mantê-lo. Embora justificasse, furioso, alegando que teriam lhe chamado de Ruim-de-ré…

Hoje, o “figura” quer ser político e está aposentado. E o mercado viveu feliz para sempre.

Acredito que podemos aprender com tudo. Até com isso. Até com o Lobisomem. Não colocar nossos projetos em risco é nossa única preocupação. E, às vezes, esquecemos que somos mais fortes que isso, responsavelmente. Vamos perdendo nossa capacidade de compreender que para viver também é necessário conviver. A reciprocidade no bom trato é vital. Não se pode abandonar a escolha de extrair lições. Se quero outro Lobisomem na minha operação? NÃO. Mas devo saber lidar com os “Xuxas”, “Bodes-cheirosos”, “Patos-roucos”, “Andrés”, “Fernandos”… Lidar com seres humanos. Não lembramos muito disso quando a carga é urgente.

Minha homenagem a todos os caminhoneiros que, graças a Deus, parecem e não se parecem como o Lobisomem. Carregam consigo suas histórias, suas dificuldades, seus sucessos… Mas, acima de tudo, existem! Alguns que não se dignificam e a maioria que dignifica sua missão, como em outras profissões. Mas, nessa está o tempero do sacrifício ao levar um país sobre rodas e, mesmo assim, seus direitos são desrespeitados com a falta de qualidade das rodovias, com a jornada de trabalho e, muitas vezes, são desrespeitados como seres humanos. Nosso reconhecimento e nosso muito obrigado.