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A falência da infraestrutura rodoviária (parte 2/2)

Recomendo, antes de tudo, a leitura da primeira parte deste artigo para que possa ser contextualizado (link).

Embora os números da edição anterior desta pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) também tenham trazido números altamente desconfortáveis para o setor logístico, sempre temos aquela esperança, aquele desejo de que algo melhore e nos dê algum alento em nossa rotina, ao mesmo tempo que tentamos entender como funciona esse descaso, esse desprezo por um setor que, bem sabemos, não deveria ser tão utilizado, como já foi explicado, no entanto, é o que temos para fazer essa gigantesca máquina logística funcionar. O que não dá mesmo é não investir em nada.

Com sérios problemas estruturais que revelam a fragilidade de um sistema e das vidas que por ele passam, temos que tornar pública tal situação e tentar enxergar algo de bom em tudo o que foi divulgado. E a parte boa não é tão boa para uma parte dos brasileiros que torcem o nariz para o assunto das concessões de rodovias. Confesso que também não era o que queria. Me junto aos que gostariam que as gestões públicas fossem verdadeiramente eficientes e atendessem às necessidades do crescimento ordenado da economia. Porém, não é esse o cenário.

Analisando os números totais, juntando gestão pública e gestão concedida, temos 41,8% das rodovias pesquisadas classificadas como ótimas e boas. O restante delas é classificado como regulares, ruins e péssimas. Poderíamos até nos iludir de que os números não são tão absurdos, mas a verdade é que o contraste se revela quando separamos as gestões:

– Gestão pública: nos 83.223 Km das rodovias federais e estaduais, apenas 5% foram consideradas ótimas, 27,9% boas, 38,2% regulares, 21,1% ruins e as péssimas são 7,8%;

– Gestão concedida: nos 20.036 Km de vias sob concessão, 39% são ótimas, 39,7% são boas, 19,9% regulares; apenas 1,3% são ruins e 0,1% são péssimas.

Também, ano após ano, acompanhamos esse cenário que se modifica numa velocidade pouco atraente aos negócios. Como não se vê investimentos à altura do que representa o modal, também não se vê números que demonstrem a expansão desses 12,3% de rodovias asfaltadas no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, para cada mil quilômetros são 438 km de rodovias asfaltadas, na China são 360 km, no Brasil são apenas 25 km. É preocupante essa paralisia, pois de 2006 até 2016 a frota cresceu 110,4%, enquanto as rodovias federais se expandiram 11,7%. O percentual de expansão para 2016 está estimado em 1,5%. Assim, amargamos a 111ª posição no ranking sobre qualidade da infraestrutura rodoviária levantada pelo Fórum Econômico Mundial, que analisou 138 países.

Diante disso, é inacreditável que o governo federal tenha investido apenas 0,19% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura de transporte no ano de 2015. E aqui estão inclusos todos os modais e não só o rodoviário. A conta fica bem mais alta quando todos esses transtornos e a falta de um planejamento sério impactam em custos operacionais, como já informado, e na pior consequência que é a perda de vidas. Em 2015, só nas rodovias federais policiadas, foram mais de 121 mil acidentes, entre perdas materiais e humanas, com um custo de R$ 11,1 bilhões.

Quando se pergunta sobre a diminuição do interesse dos profissionais que se utilizam dessas rodovias todos os dias sobre prosseguir na profissão, procuram-se outros fatores que não esses. Os caminhoneiros já convivem com a exploração de seu trabalho e com os baixos valores do frete, agora vivenciam a cada ano um cenário que não muda: seus companheiros de profissão sendo retirados de seus convívios por causa de um buraco, de uma curva insegura ou de um assalto facilitado pela precariedade do trecho… E ainda vem a pergunta: “Por que está faltando caminhoneiro no mercado?”

Até comentei outras vezes aqui que eles estão procurando pagar uma faculdade para os filhos e incentivá-los em outras profissões. Muitos desses pais caminhoneiros também não saem por falta de opção. Os motivos estão dispostos em números os quais os governos não estão dispostos a mudar.

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Logística ainda é o melhor remédio contra crise

O aumento dos juros americanos atormenta o Brasil e demais países emergentes. Não é para menos, já que muitos investidores que ainda aguardavam a retomada total da economia americana, protegidos pelas altas taxas de juros no Brasil, retornam para um sistema mais seguro. Combinando com a desaceleração da economia chinesa, nossa maior parceira, e o rebaixamento da credibilidade do país diante da economia mundial, configura uma receita explosiva onde não faltam os demais ingredientes: crise política, desvalorização da moeda, aumento do desemprego com consequente queda na produção e perda de competitividade.

logistica criseHistoricamente, após a Segunda Guerra Mundial, vimos países se reerguerem apostando no que tinham de melhor para corrigir seus pontos fracos e despontarem como grandes economias tecnologicamente avançadas detentoras de um invejável poder de competitividade. Exemplos como a própria Alemanha e Japão enriqueceram iniciativas de tantos outros que obtiveram sucesso após crises ameaçadoras.

Se tratando de Brasil, o que poderíamos destacar como pontos fortes e fracos que nos auxiliassem na desconstrução da atual crise? Economicamente, uma palavra só revela o que temos de bom e o que temos de deficiência: logística. O problema é que temos várias outras deficiências na saúde, na educação, na segurança e na honestidade política que nos impedem de pensar, planejar e agir com precisão para sermos uma das três maiores economias do mundo.

Acontece que a Logística no Brasil sempre ficou em segundo ou terceiro plano. Prova disso é que primeiro se fabricou o carro no Brasil, na década de 30, e só depois, nas décadas de 40 e de 50, se passou a investir em rodovias. Hoje se estima que o país possua uma frota de mais de 82,5 milhões de veículos motorizados e mais da metade (46 milhões) é de automóveis. As estradas nem de longe acompanharam esse desenvolvimento, tanto que hoje o país possui menos de 204 mil km de rodovias asfaltadas numa malha de 1,36 milhão de km, e quase 130 mil km ainda estão no papel. E, diferente do que muitos pensam, essa prática se repete da distribuição de energia ao agronegócio, de toda a cadeia de suprimentos à logística reversa que, infelizmente, se arrasta na busca por alternativas.

Os números do modal rodoviário são mais expressivos devido ao seu percentual dentro da matriz logística, o qual alguns especialistas defendem estar na casa dos 70%, o que, a meu ver, representa um pouco mais que isso já que os demais modais necessitam do rodoviário no início e/ou ao final de suas atividades de transporte. Está aqui uma das maiores consequências da falta de planejamento logístico, pois o Brasil possui uma geografia altamente favorável à Logística: rios com ótima navegabilidade e portos estrategicamente localizados.

O desenvolvimento do transporte ferroviário parece cada vez mais distante mesmo com o aumento constante na injeção de capital no PIB por esse modal. Com uma infraestrutura do tempo do Império, as perdas são substanciais, principalmente devido aos quatro tipos de bitolas que predominam a malha férrea impossibilitando uma integração dos pouco mais de 30 mil km de rede.

Considerando que dois terços dos custos de quaisquer produtos são custos logísticos, o Brasil perde 13% do PIB (Produto Interno Bruto) devido às deficiências logísticas. Considerando ainda que o PIB de 2014 foi de R$ 5,521 trilhões, estamos falando de uma perda de quase R$ 718 milhões e, numa conta maluca, poderíamos dizer que sem tais deficiências, a Logística poderia somar cerca de R$ 1,8 trilhão ao PIB só com aquele velho argumento de que “ajuda quem não atrapalha”.

Será mesmo que sentiríamos impactos de crises internas e mundiais se tivéssemos uma logística mais competitiva? Estaríamos com índices ínfimos de desenvolvimento econômico se nossa logística fosse bem planejada e executada com seriedade?

O PIL (Programa de Investimento em Logística) de 2015, sobre o qual já discorri, foi esquecido em meio aos escândalos de corrupção. Mergulhados numa apatia política, amargamos uma situação cuja solução aponta para corrigirmos a forma com que tratamos nossa logística há décadas. Sabendo que isso levará um bom tempo, o momento de corrigir está passando. Não temos mais como esperar que chova, que percamos mais mercado, que a consciência política frutifique ou que nos atolemos em nossa própria incompetência… Temos urgência! Ou nossas ações não passarão de “voos de galinhas” nos deixando apenas um tempo para lamúrias enquanto sobrevivemos antes de “virar canja” no mercado.