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Custos em trazer sua mudança do exterior: vale a pena?

Por ser despachante aduaneiro e ter interesse direto em prestar assessoria aduaneira para esses viajantes, eu não deveria recomendar que você devesse pensar duas (ou três, quatro) vezes antes de decidir trazer a sua mudança. Mas os números não mentem:  financeiramente, não vale a pena!

Depois de anos de experiência prática, possuo informações e expertise para detalhar todos os problemas vividos por essas pessoas. Inclusive, já escrevi dois artigos sobre o assunto e diariamente recebo dezenas de e-mails com histórias, confirmações e conflitos gerados com as suas bagagens.

Recentemente recebi um e-mail detalhado e pormenorizado de uma viajante, que mudou de um país da Europa para o Brasil, em um estado localizado no Sudeste. Para não polemizar essa ou aquela cidade, vou omitir os nomes e recintos, mas a história é verídica.

Abaixo o nosso pequeno estudo de caso, que poderá lhe ajudar a tomar a decisão de voltar ao Brasil trazendo consigo os seus pertences.

Se preparando para mudar

Dissemos em outro artigo que a mudança internacional é tratada pelas autoridades aduaneira de forma marginalizada, e qualquer procedimento normal de despacho aduaneiro (afinal, a bagagem também é!) é amplificado quando se fala em mudança.

A mudança internacional é constituída pelo conjunto de bens novos ou usados que um viajante, em compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem, possa destinar para seu uso ou consumo pessoal, bem como para presentear, sempre que pela sua quantidade, natureza ou variedade, não permitam presumir importação ou exportação com fins comerciais ou industriais.

E o ponto crítico de sucesso dessa empreitada está relacionada com a preparação da documentação e da carga a ser enviada ao Brasil.

Compre caixas de papelão padronizadas e as embale por cômodo da casa. Comece pelos quartos e faça uma numeração da seguinte forma “Quarto 01 – Caixa 01″, “Quarto 01 – Caixa 02″, e assim por seguinte para quantos quartos você tiver.

Depois, vá para sala, cozinha, banheiro e por aí vai. Pode parecer burocrático, mas lhe garanto, na hora da fiscalização conferir tudo será mais fácil. Em seguida, faça uma declaração de bens com valores em Reais (R$), em computador se possível, contendo essas caixas.

Se a mudança contiver itens como ferramentas, máquinas, aparelhos e instrumentos, necessário ao exercício da profissão, arte ou ofício do viajante, será obrigatório comprovar a atividade desenvolvida.

A leitora do blog que nos escreveu fez exatamente como descrito acima, e tanto que o seu principal problema não foi a conferência física e sim o trâmite documental.

O processo logístico

Depois de preparada a relação de bens e entregue a mercadoria ao embarcador, a viajante contratou um despachante no Brasil para cuidar dos procedimentos aduaneiros.  Na primeira análise documental, descobriu-se que o BL (bill of landing, ou conhecimento de transporte, um documento importante) original havia ficado no país de origem. A culpa foi do agente embarcador que achou que esse documento poderia ser remetido para o Brasil sem pressa (essas foram as palavras usadas por ele).

Mesmo com a documentação quase completa, não seria possível antecipar a entrada na Alfândega sem o BL original. Isso a fez perder valiosos dias no curso da sua liberação aduaneira.

A entrada da documentação na Alfândega

A Alfândega permite que o processo seja protocolizado na jurisdição aduaneira em que o despacho aduaneiro será processado antes da mercadoria chegar. Inclusive, essa é a recomendação. A viajante conseguiu receber o BL original dois dias antes da chegada do navio, e com isso foi possível iniciar o trâmite documental.

De imediato, foi necessário vincular o despachante aduaneiro ao CPF da viajante. Essa etapa é obrigatória quando se contrata um especialista para cuidar dos ritos burocráticos.

Em paralelo e depois de confirmada a chegada da mercadoria, o despachante imediatamente solicitou a transferência para um Porto Seco.  Chegando nessa Zona Secundária, foi solicitado a desova e a imediata entrega do contêiner vazio ao armador.

Deixar de entregar a unidade vazia dentro do prazo estipulado pelo contrato de transporte pode gerar enormes transtornos financeiros e deve ser a principal preocupação do despachante aduaneiro.

Com o processo protocolizado, foram 15 longos dias para que o Inspetor daquela jurisdição vinculasse os dois CPFs e então o despacho aduaneiro pudesse ser iniciado.

Com a vinculação pronta, o despachante aduaneiro registrou a DSI (Declaração Simplificada de Importação) e voltou à Alfândega para que pudesse ser anexada ao processo inicial. Há um setor exclusivo na Receita Federal que analisa a documentação apresentada e garante (ou não) a isenção tributária que a bagagem tem por direito.

Desde a juntada  da DSI ao processo até que o fiscal fizesse a primeira análise, pasmem!, foram 14 dias corridos. O despachante contatou o setor por diversas vezes e a resposta sempre foi a mesma: Bagagem demora!

No décimo quinto dia a fiscalização informou que uma pendência documental.  Segundo ele, não havia registro confiáveis da viajante que comprovavam a sua permanência por mais de 01 ano no exterior, conforme determina o artigo 9º da Instrução Normativa SRF nº 117/98.

Segundo o despachante aduaneiro, foram apresentados uma declaração do consulado, além de uma série de outros que facilmente comprovariam que ela esteve sim no exterior por período maior do que o exigido.

Ela anexou carteira de motorista válida, documento emitido pela Receita Federal daquele país que comprova que ela havia pago tributo no período, comprovante de cartão de crédito no período e muito outros mais.

Analisando friamente a documentação apresentada, detectou-se que a declaração consularizada não estava de acordo com o determinado pelas autoridades aduaneiras. Ela estava firmada pelo cônsul, mas não continha data de residência. Essa data é um dos únicos elementos em que é possível que o viajante ficou no exterior por mais de 12 meses.

A solução encontrada resolver essa pendência foi apresentar uma declaração de Registro de Entrada e Saída em Território Nacional, expedido pela Polícia Federal. Assim, se a sua declaração consularizada não contiver data de residência no exterior, busque na autoridade imigratória no Brasil uma registro de entrada e saída.

Processo de conferência aduaneira e liberação da carga

Com a declaração entregue, a fiscalização confirmou a isenção tributária e encaminhou o processo para o Recinto Alfandegado para conferência aduaneira. Até esse exato momento, incluindo o período de emissão do documento na Polícia Federal, foram gastos 35 dias corridos desde a  chegada no Brasil.

Com o processo já no terminal, o próximo prazo foi convencer a fiscalização daquele recinto a fazer a distribuição.  Foram mais 7 dias para que a pasta fosse distribuída e o fiscal pudesse fazer a conferência documental. Tanto tempo não foi justificado, e o sentimento que ficou na interessada foi a forma marginalizada como a Receita Federal trata os viajantes que trazem as suas mudanças.

Enquanto isso, o despachante aduaneiro solicitou a conferência do Mapa e a devida liberação das madeiras contidas naquela carga (exigido pela legislação).

Até aquele momento já se passaram 42 dias corridos, e finalmente a conferência aduaneira havia sido marcada.  Para ‘sorte’ do despachante aduaneiro, esse procedimento aconteceu em uma quinta-feira e a fiscalização só liberou o CI (Comprovante de Importação) na outra segunda-feira (quatro dias depois).

Até agora já se passaram 46 dias e o ‘taxímetro’ do custo de armazenagem continuava correndo. Somente após a emissão do CI é que a viajante pode marcar a retirada da carga e finalmente levar para a sua casa.

Os custos financeiros para liberar a mudança

Antes da mercadoria chegar na cidade, a viajante solicitou orçamento em diversos terminais, e escolheu o mais barato. Muitos deles cobram altos valores de armazenagem, desova e movimentação como barreira de entrada. Não há qualquer interesse comercial em levar para esses terminais mudanças internacionais.

Não é segredo para ninguém que esse tipo de carga é uma grande dor de cabeça para os armazéns. Nem todas são liberadas por falta de experiência ou documentação incompleta. Além disso, há um agravante de que a carga não poderá ser verticalizada. No jargão técnico, elas são ‘blocadas’ em um espaço horizontal e a sua rotatividade é muito mais baixa do que as demais.

O local escolhido pela viajante e leitora do blog foi pelo critério de menor preço, que forneceu a seguinte proposta:  R$ 3.890,00 pela desova do contêiner de 20’, mais R$ 3.511,00 por período de 10 dias corridos de armazenagem ou fração.

Considerando que foram 05 períodos de armazenagem além do serviço de desova, a viajante já havia gasto até aquele momento R$ 21.445,00.  Ainda faltava computar o frete internacional, o transporte rodoviário interno (porto x terminal x residência da viajante), os honorários aduaneiros e demais taxas.

Depois da carga liberada, a próxima etapa foi solicitar a isenção do ICMS e do AFRMM (Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante).  Ao final, depois de considerar os valores de armazenagem, frete internacional, transporte interno e demais despesas, o importador gastou aproximadamente R$ 27.000,00.

Então, vale a pena?

Pela ótica financeira, é possível afirmar que não vale a pena. Levar 46 dias de prazo ainda ter de desembolsar quase R$ 30.000,00 não torna o procedimento atraente, principalmente para alguém que retorna ao país depois de ver que o sonho de morar no exterior terminou.

Além dos preços exorbitantes, a fiscalização aduaneira não trata com o devido respeito e celeridade quem deseja retorna ao país.

Esse rigor na liberação penaliza quem trabalha dentro da lei, que paga pela ineficiência burocrática do serviço público federal. A título de comparação, uma empresa importadora regularmente registrada leva, no máximo, entre 10 e 15 dias para desembaraçar sua mercadoria, no pior cenário. E o valor a ser pago para o armazém não ultrapassaria 1% do Valor Aduaneiro.

Parte desse problema é construído por empresas que oferecem o serviço de transportes internacionais. Elas juntam diversas mercadorias, que normalmente não teriam o benefício da isenção tributária da bagagem, em um único contêiner e remetem para o Brasil em nome de um viajante.  Nem sempre as pessoas envolvidas conhecem o esquema fraudulento e somente ao chegar no Brasil tomam conhecimento da dor de cabeça que enfrentarão.

Finalizando, a minha principal dica é: façam contas! Se valer a pena, contrate um despachante aduaneiro no Brasil e siga rigorosamente as recomendações desse profissional.

Leia um pouco mais sobre o pesadelo da mudança. Se precisar de uma indicação de despachante aduaneiro, entre em contato por email.