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Por que o nível de serviço no Brasil é ruim? (parte 2/2)

É preocupante quando ouço empresas dizerem que seus clientes são o seu maior bem. Por um lado, são mesmo! Porém, assim como esquecem que seus funcionários na verdade são seus “sócios empreendedores”, pois investem seu tempo na concretização de um projeto e sem eles não há como conquistar clientes, esquecem também que os clientes são pessoas e, muitas vezes, os negociam no mercado como se estes fossem qualquer coisa que não tivesse vontade própria.

nível de serviçoA ideia que toma força em nossa cultura de que o trabalho é obrigatório também está aniquilando as chances da prestação de bons serviços. Duas coisas se fundem e tomam forma de um mesmo mal: empresas com a visão de que ter funcionários é um mal necessário – e há muitas assim – e funcionários que trabalham porque precisam sobreviver. O resultado disso é que não se enxerga a responsabilidade e o prazer em atender bem, tanto às tarefas internas quanto clientes.

Uma dessas faces que dão origem à precariedade nos serviços é que os funcionários não gostam do que fazem. Há dois anos, em um evento da Associação Paulista de Supermercados, um professor da Universidade de Harvard trouxe números de uma pesquisa mundial da Gallup que apontavam que 72% das pessoas não gostavam do seu trabalho. Mas, um número em particular chamava ainda mais atenção: desse percentual, entre 18 e 20% estavam “ativamente desengajadas” e uma em cada cinco pessoas tinha o interesse em prejudicar a empresa em que trabalhava. Nos últimos sete anos o percentual de pessoas engajadas não passa de 30%. Não há dúvidas de que isso reflita diretamente na prestação de serviços. E se considerarmos outros números noutras pesquisas de que a maioria dos infartos ocorre nas manhãs das segundas-feiras, visualizamos um cenário de absoluta deficiência entre pessoas e empresas que reflete em seus serviços.

Mais uma face que contribui substancialmente para essa má qualidade dos serviços no Brasil é a nossa insuportável carga tributária. Os encargos trabalhistas levam muitas empresas à impossibilidade de investir na qualificação de seus funcionários. Agravando ainda mais, outras empresas que não investem para não correr riscos de perder esses funcionários para as concorrentes, empresas que não enxergam a qualidade como ferramenta de lucro e outras que visam apenas os lucros indiscriminadamente, fomentam essa grade indesejável nessa conturbada relação entre o que queremos e o que temos a dar.

A questão da educação vem como um forte fator gerador da situação do nosso nível de serviço. Aquele atendimento dado na ponta da relação com o cliente tem a educação e o acolhimento como requisitos básicos para a construção de uma fidelidade. Nisso não precisamos copiar nenhum país, pois o povo brasileiro é acolhedor por natureza. São poucos os países em que alguém se presta a parar e fornecer alguma informação a outrem. Poucos possuem a cordialidade do brasileiro. Então, por que não conseguimos levar isso para dentro das empresas? Ambiente competitivo? Não acredito muito nessa relação. Afinal, também temos a extrema necessidade de nos relacionar bem com nossos “concorrentes” para conhecê-los melhor. Talvez a situação da obrigatoriedade de trabalhar explique melhor porque perdemos essa cordialidade ao tratar com as pessoas.

Os maus serviços intersetoriais também contribuem bastante para reclamações de clientes. Eles podem se originar de rusgas entre tais setores da empresa, passando pela falta ou guarda de informações que podem levar ao fracasso uma determinada operação. Nós que trabalhamos com logística sabemos o quanto isso prejudica o cumprimento das atribuições, pois tudo o que está relacionado à falta de informação reflete diretamente nos prazos de entrega e na boa prestação de um serviço interno ou externo. De qualquer forma, o cliente sempre será o maior prejudicado quando essas informações não fluírem como devem.

Os clientes mais clássicos carregam a solução para o mau serviço de maneira a não voltar ao estabelecimento ou desprezar a referida marca. Isso é natural, mas não resolve. Como profundo adepto do diálogo, acredito que esse seria sempre o primeiro ponto, passando depois para o exercício do direito e por último às exigências de reparações legais que sirvam como instrumento para que a empresa perceba que precisa mudar, investir em treinamento e promover um ambiente sadio para seus “sócios empreendedores” antes de exigir que passem a seus clientes aquilo que não possuem.

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Por que o nível de serviço no Brasil é ruim (parte 1/2)

Inconformado por não entender como muitas empresas tratam seus clientes, procurei razões e mais razões que pudessem explicar as várias faces de um serviço insatisfatório que experimentamos atualmente. Acredite, são muitos erros infantis e grotescos que levam ao fracasso, desde um pequeno empreendimento até uma sólida marca, uma empresa que se preocupou com o capital, com uma ideia genial de seu produto e que não olhou para a prestação de um bom serviço.

nivel de servicoPartindo de um simples princípio de que toda empresa pratica serviços e de que ninguém gosta de ser maltratado ou ter seus direitos desprezados, o cliente potencializa tudo isso com dois fatores: o primeiro de que não está, ou se incomoda em estar, obrigado a adquirir determinado serviço e o segundo de que pode exigir um bom atendimento já que está pagando para isso.

Essa abordagem não se restringe ao que conhecemos como nível de serviço logístico e seu gerenciamento de fluxos de bens e serviços. Ela vai da origem de uma grande falha que ocasionou o não fechamento de um grande negócio ao atendimento de um garçom, por exemplo, ao servir um cafezinho. Tudo envolve um serviço e, como todo, deveria ter como fundamento a qualidade esmerada.

Para quem pensa que chegamos ao ponto de um atendimento ruim devido à falta de qualificação que assola o mercado, comete duplo engano, pois há sim pessoas qualificadas e com senso profissional a fim de comprar uma boa ideia, mas num mercado poluído, elas precisam ser garimpadas e trazidas ao time para que motivem os demais. É bem verdade que pessoas assim causam mais a inveja dos outros do que desejos de mudanças nestes. Então, troca-se! Para que uma equipe seja boa ela deve estar cercada com o que há de melhor. E não estou indo contra o que tanto prego em relação à valorização do ser humano, mas isso é uma consequência do filtro do mercado. O outro engano é simplesmente pensar numa justificativa para assegurar que o serviço é ruim e que não há como mudá-lo. Daí, não só não prezo por prestar um bom serviço como passo a não exigir que me forneçam um bom serviço e inicia-se uma cadeia perigosa de comodidades.

O assunto é tão extenso e complexo que muitos e muitos pontos surgem como fatores preponderantes que dão origem ao que chamo de “serviço hemorrágico”. Aos poucos, ou rapidamente, o sangue dado a uma tarefa, aquela grande ideia de negócio vai esvaindo-se enquanto se acha que o coração – e só ele – é importante para nos manter em atividade. E quem pensa que o coração é a empresa, se enganou de novo! O coração são as pessoas e por elas – e só por elas – os serviços, doentes ou sadios, são bombeados para fazê-los circular no mercado. O papel das empresas é representado aqui como o de um médico que deve cuidar das pessoas, pois ele só existe porque há pessoas que colaboram com um bom fluxo para satisfazer seu maior bem: os clientes.

Acontece que esse item fundamental, que é a prestação de um bom serviço, vem sendo esquecido por muitas empresas e por muitas pessoas que estão se acostumando a só reclamar informalmente. Impossível encontrar alguém que já não tenha sido mal atendido ou até desrespeitado em um estabelecimento. Fico pasmo quando vejo garçons, enfermeiros, médicos e tantos outros atendentes que lidam diretamente com o público, indiferentes sem que o cliente tenha a mínima chance de se sentir bem. Nada de sorrisos, de gentilezas ou compromissos em ser a ligação do que arduamente foi projetado com o objetivo principal. E aí surgem certos questionamentos quanto ao dom necessário para lidar com o cliente, quanto à falta de treinamento de responsabilidade das empresas e, acima de tudo, quanto à compra da ideia por essas principais pessoas que podem oferecer o sucesso ou o fracasso a um negócio.

Há algum tempo, um colega ofereceu uma palestra sobre a importância da prestação de um bom serviço, enquanto outro oferecia uma que apontava para redução de custos e aumento de lucros. Não precisa se esforçar para saber quem lotou o auditório. Não precisa de muito para saber que um bom nível de serviço é garantia de lucro e que essa ferramenta não está em equipamentos modernos, em sistemas caros ou em vultosas instalações. Ele está no desejo das pessoas em ofertar, sempre com inovações, um serviço que as valorize também.

Contudo, as pessoas não conseguem ser a razão da prestação de um bom serviço sem trazer consigo suas dificuldades e a visão a que o mercado as submete. Obrigadas e acuadas, elas refletem a desobrigação de empresas e órgãos públicos. Sobre isso trataremos na segunda parte.