Tem sido tema de algumas conversas minhas o emprego do “óbvio” na administração. Na verdade, acabamos discorrendo sobre sua pouca aplicação, e por que, mesmo sendo o óbvio, não tem uma utilização sistemática na gestão de empresas, de projetos, de serviços e até na própria Logística? Muitas vezes faltam método e bom senso aliados à lógica na análise da situação para o emprego de melhores práticas.
Sabemos bem que nem sempre devemos aplicar automaticamente aquilo que nos parecer o óbvio. As receitas clássicas e/ou passadas de sucesso, não garantem o mesmo resultado no presente. Tudo mudou! Mas é importante o conhecimento e o domínio das técnicas consagradas pelos bons desdobramentos que podem resultar.
Uma das ferramentas óbvias que mais gosto é a Curva ABC de Pareto. Vilfredo Pareto, economista, engenheiro, sociólogo e político italiano, a partir de seu teorema com o Princípio 80/20 (em 1897), desenvolveu o conceito de se focar o essencial distinguindo-o do trivial (de menor significado no contexto), com base em um modelo matemático. Ele defendia que uma maior incidência de impostos aplicados à classe de maior renda, embora sobre poucos, traria um impacto bem maior na receita total desses impostos.
Não entrarei no detalhamento de sua construção. Existe vasta bibliografia a respeito, abordando suas várias aplicações. Importante ressaltar apenas a simplicidade do conceito, uma vez que basicamente é a classificação em ordem decrescente dos valores atribuídos a cada item do universo considerado e sua representatividade percentual em relação ao total. Com os somatórios acumulados desses percentuais (item a item) é formada a Curva.
No que diz respeito à Logística de Suprimentos, é muito interessante observarmos a inércia na solução de problemas e na lentidão no desenvolvimento de melhores práticas, pela não iniciativa da aplicação do princípio da Curva ABC. No dia a dia, nos defrontamos com oportunidades de melhoria e procrastinamos no ataque às questões em função do volume de análises e ações a empreender.
Nas nossas áreas, necessariamente e sistematicamente temos que (entre outras):
- Rever e atualizar o design de processos, produtos e serviços;
- Buscar uma redução no valor de estoque e seu saneamento;
- Analisar o valor de consumo e equalizar suprimentos e demanda;
- Efetuar inventários de estoque mais frequentes e melhorar o controle;
- Rever e ajustar custos e/ou preços dos produtos ou serviços;
- Discutir com fornecedores (de produtos e serviços) melhores condições e inovações;
- Dar maior atenção e estreitar relações com os clientes e fornecedores;
- Avaliar, reduzir ou justificar também os custos fixos e indiretos.
Necessitamos de resultados significativos e imediatos! O óbvio é priorizar!
Um ditado diz que para começar a comer devemos ir pelas beiras. A curva ABC nos orienta no que elevar às beiras.
Sempre que possível, é interessante ilustrarmos nossos argumentos com histórias reais: alguns anos atrás, eu tinha um sério problema num depósito que administrava. Um problema que já me atormentava por meses e envolvia muitos itens, grandes valores e sérias consequências. Eu via sempre a questão como um todo e não conseguia uma solução satisfatória. Comentando com um amigo, recentemente contratado, ele fez a pergunta clássica: quais são os itens mais significativos? Vamos iniciar imediatamente por eles, depois a gente trata do resto. Mais de 50% do problema foi resolvido em 2 semanas e, algum tempo depois, todo o restante corrigido.
É o óbvio aplicar a Classificação ABC objetivando determinar por onde começar. E isso, em função da representatividade de cada elemento envolvido com base na unidade de medida estabelecida como comum e mais relevante na questão em foco (rentabilidade, faturamento, custo, valor, peso, risco, oportunidade, tempo, distancia etc.).
Cabe ainda ressaltar que o mais importante é o conceito da distribuição da Curva. Não é imperativa a relação “80/20”. Em gestão de estoques, por exemplo, são usualmente utilizadas as curvas decrescentes de Valor de Estoque, Valor dos Itens com Baixa Movimentação (ambas para análise e direcionamento da gestão do imobilizado em estoque) e de Valor de Consumo (para orientação da política de suprimentos). Assim, podemos estabelecer parâmetros diferenciados, fugindo à relação 80/20, conforme exemplificamos abaixo:
Percentual no Valor Total dos Itens Percentual na Quantidade Total de Itens
Itens A 70 % 5 %
Itens B 25 % 20 %
Itens C 5 % 75 %
Neste exemplo: 5% dos itens detêm 70% do valor total, ou seja, se existirem em estoque cerca de 1000 itens diferentes, com um valor total de R$ 1.000.000,00, 70% do valor total do estoque (R$ 700.000,00) concentra-se nos 5% que correspondem aos primeiros 50 itens “A”. Portanto, deverão ter atenção prioritária. Já os 750 itens “C” (75% de 1000) são menos significativos, pois somam apenas R$ 50.000,00 (5% do total) portanto, deverão ser observados após e com menor intensidade que os itens ”B”.
Por curiosidade, voltando à origem da Curva de Pareto, um exemplo interessante é o caso da distribuição de renda no Brasil, onde 1% dos mais ricos detinham 13,3% da renda nacional e os 50% mais pobres ficavam com 12,5%. Utilizando o conceito da Curva, se fossem dobrados os impostos daquele 1% mais rico, a metade mais pobre da população poderia deixar de pagar impostos e ainda se arrecadaria mais.
A Curva ABC é uma grande ferramenta de orientação. Vamos explorar mais essa linha de aplicação do óbvio, conversando futuramente sobre Matriz GUT, 5W2H, PDCA, Design e Comakership Interno.
Por Wilson Werther Aguilar D’Ávila: administrador e pós-graduado em Gestão da Qualidade.