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Não há resposta simples para solucionar a crise – Parte 3/3

Matéria publicada no Instituto Millenium, de autoria de Fernando Raphael.

(continuação da matéria iniciada ontem, parte 2/3)

QUESTÃO MONETÁRIA

O dólar é uma moeda “apreciada”, isto é mais cara que as outras, em praticamente todos os países emergentes. Um dólar compra proporcionalmente mais que as outras moedas. Isto é causado em parte pelos estoques de dólar, ou seja, pelas reservas internacionais (cerca de 60% das reservas estão em dólar), e em parte por causa de políticas de câmbio deliberadamente desvalorizadas, como é o caso da Coréia do Sul, da China, Japão, Taiwan, Índia, etc. Isto cria um “desequilíbrio” no mercado norte-americano, principalmente porque fica difícil para as empresas daquele país concorrer na fabricação de produtos e na oferta de serviços com aqueles países. Por conta do câmbio, algo produzido nestes países será sempre mais barato que algo produzido nos EUA.

O principal ajuste que a crise atual está causando não está relacionado ao déficit americano, que irá crescer no curto e possivelmente médio prazo. O principal ajuste será no preço relativo das outras moedas em relação ao dólar. Os EUA, uma vez depreciada sua moeda, irão se tornar relativamente mais pobres, com salários mais baixos, o que lhes dará algum fôlego competitivo extra. O mesmo inverso irá ocorrer com os países asiáticos de apreciarem suas moedas. Algum processo de substituição de importações acabará ocorrendo nos EUA.

A questão é como se dará este processo. Uma primeira alternativa é através do ajuste monetário de mercado. Se ele ocorrer, a Coréia irá perder competitividade em alguns setores, a China em outros, e os EUA irão ganhar em vários outros. Em geral, os americanos são muito mais eficientes na produção de bens de grande valor, porque tem um grande mercado de consumo para estes bens, o que lhes confere escala para exportar. A segunda via será através de barreiras protecionistas, que poderão ser erguidas de ambos os lados (seja nos EUA, seja nos mercados asiáticos). Esta segunda opção é a mais temerária, sobretudo para países como o Brasil. Caso isto aconteça, nós teremos sérios problemas para competir com a busca por novos mercados dos Asiáticos e americanos, e enfrentaremos problemas para exportar os poucos produtos em que somos competitivos.

Um ajuste pela via da moeda seria melhor para nós, porque já atuamos há mais de dez anos em regime de câmbio flutuante (apensar das fortes intervenções do nosso banco central) o que faria do ajusto monetário algo mais rápido e menos traumático. A segunda opção representaria uma dificuldade maior, pois deveriam ser feitas opções estratégicas focadas no longo prazo, e o futuro é sempre muito turvo para ser vislumbrado. Um ajuste via mercado seria mais gradual e mudaria as coisas sem grandes traumas. Um ajuste pela via do protecionismo, ou seja, do intervencionismo, tornaria o cenário mundial um jogo de soma zero, onde necessariamente uns perderiam para alguém poder ganhar. A economia mundial irá superar esta crise, como já superou outras tantas. A questão é o custo disto. Como diz aquela frase, podemos ter uma crise tão grande quanto estejamos dispostos a pagar.

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Não há resposta simples para solucionar a crise – Parte 2/3

Matéria publicada no Instituto Millenium, de autoria de Fernando Raphael.

(continuação da matéria iniciada ontem, parte 1/3)

ESTRUTURA DOS PREÇOS

O Presidente do FED não agiu errado de acordo com nenhuma das teorias. A questão toda é outra. A questão é a composição dos índices usados para medir a atividade econômica. Quando você avalia apenas o índice de preços, como é feito hoje no mundo todo, mas ignora o “quantum”, isto é, a quantidade de bens negociados, acaba-se tendo uma impressão errada sobre o que é inflação ou deflação e o que é uma mudança estrutural nos preços, tanto para cima como para baixo.

Vou dar um exemplo de uma possível mudança estrutural nos preços montando um cenário para a indústria automobilística. A tendência nos últimos 50 anos no mercado de automóveis é que os carros mais novos sejam mais caros que os carros da “geração” anterior, porque a cada nova geração de veículos, mais tecnologia é acrescentada ao produto. Os fabricantes de automóveis, olhando a renda dos trabalhadores, que vem crescendo de forma praticamente ininterrupta, imaginam que a cada década, mais ou menos, os consumidores irão desejar veículos maiores, mais seguros, mais potentes e mais sofisticados.

Com isso, a tendência na indústria automobilística é que o preço dos veículos aumente. Isto pode forçar o índice de preços para cima, fazendo com que através deste produto haja uma leve força atuando para a inflação dos preços. Mas esta é uma mudança estrutural. Quando um novo fabricante, como a indiana Tata, por exemplo, apresenta um novo produto no mercado, de grande volume, com preços muito baixos, ele pode jogar o índice de preços para baixo.

Isto porque a expectativa deste fabricante é vender uma quantidade muito superior de automóveis por um preço muito mais baixo que a média de mercado. Um regulador da taxa de juros desavisado poderia ver nesta mudança na tendência dos preços um risco de deflação, e com isto baixar a taxa de juros, o que facilitaria, teoricamente, a volta de um crescimento no índice de preços. Da mesma forma, este carro de grande volume poderia aumentar o preço de determinados insumos da indústria, como aço, por exemplo, o que poderia ser interpretado como ameaça de inflação. A decisão, portanto, poderia ser tomada de forma equivocada se não for considerada a mudança estrutural dos preços.

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Não há resposta simples para solucionar a crise – Parte 1/3

Instituto MilleniumMatéria publicada no Instituto Millenium, de autoria de Fernando Raphael.

Um dos resultados da crise internacional dos sub-prime que estourou no segundo semestre do ano passado é o reavivamento do debate sobre as teorias econômicas do “mainstream” e os “outsiders”. Há tempos que se discute se a teoria econômica deve ser mais keynesiana ou mais neoliberal ou conservadora. A discussão sobre os pacotes e as alternativas para superar a crise levou mesmo a frases e questões como esta abaixo:

“Se antes os bancos eram acusados de emprestar muito agressivamente, agora eram acusados de muito conservadorismo. Se os americanos eram acusados de consumismo irresponsável, agora demandavam mais gastos deles. E o próprio governo, que tanto pregou a luta por casas mais acessíveis, estava agora fazendo de tudo para evitar a queda nos preços das casas. Para onde foi a meta de casas acessíveis? Woods questiona se algum traço de pensamento racional ainda pode ser encontrado em meio a tanta insanidade.” (Constantino, R.)[i]

Aqui está uma questão que não está sendo levada em conta, mas que tanto Mises quanto Hayek apontam em seus trabalhos. No livro “Ação Humana” há até uma frase do Mises que ficou gravada na minha cabeça sobre a questão da inflação. A inflação é a principal forma de avaliar que se a taxa de juros está artificialmente alta ou baixa de acordo com a teoria dos ciclos econômicos de Von Mises. Se há inflação, dentro desta visão, é porque há um excesso de moeda no mercado. Então, quando há excesso de moeda o caminho é aumentar a taxa de juros para conter a inflação. Este é o mecanismo básico de regulação que tem sido adotado em todo o mundo para controlar a oferta e demanda por moeda.

No caso da frase famosa, do Mises, ele dizia que uma vez atropelado o pedestre (isto é, uma vez que a inflação tivesse aparecido por conta do excesso de gastos), dar a marcha à ré não ajudaria a crise passar (a marcha à ré seria a deflação, isto é, a queda generalizada no índice de preços). Portanto, mesmo os liberais austríacos defendem que o ajuste para condições monetárias reais deveria ocorrer num contexto de preços neutros, e não de deflação, para evitar prejuízos maiores no sistema monetário. Só que para aumentar os gastos num contexto de crise econômica, a única maneira eficaz encontrada pelos economistas, independentemente da escola econômica de origem, é o aumento do consumo.